segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Neoconquistadores

Instalados no coração da vida social, os bancos estiveram por muito tempo ligados a um território, em cuja organização interferiam. Criado na Cantábria, no século XIX, o espanhol Santader lançou-se, na década de 1990, à conquista da América Latina, trocando os mosquetes pelas taxas de juros
Quando o semanário do jornal El País traçou “O retrato do poder” na Espanha, em 31 de outubro de 2010, foi seu rosto que apareceu na capa da revista. De quem? Emilio Botín – sobrenome que, na língua de Cervantes, significa “butim”. Décima fortuna espanhola, com um patrimônio de US$ 1,5 bilhão, Botín seria, de acordo com o jornal Le Monde, “o financista mais poderoso da Europa”.1 Filho e neto de banqueiro, ele está à frente de um mastodonte: o banco Santander.
Primeiro grupo espanhol, principal empresa financeira da América Latina, 37ª transnacional do planeta,2 o Santander é um dos três maiores bancos do mundo em termos de faturamento. Em 2010, empregava mais de 178 mil pessoas (54 mil na Europa ocidental e cerca de 90 mil na América Latina), gerou 1,2 trilhão de euros em ativos e obteve um rendimento bruto de 42 bilhões de euros. Enquanto a crise financeira ameaçava a maioria das instituições financeiras ibéricas, os lucros do Santander ultrapassavam os 8 bilhões de euros, pelo quarto ano consecutivo. “Crise? Que crise?”, perguntou o presidente Botín ao anunciar a aquisição do banco britânico Alliance & Leicester, em 2008.3
Em 1986, Emilio Botín substituiu o pai na presidência do grupo Santander. Nascido há 150 anos, o grupo estava em seu esplendor. Até ali, o setor bancário espanhol parecia uma fortaleza: protegidas do mundo exterior, sete entidades dividiam o mercado.4 Tão próximo do chefe de governo socialista Felipe Gonzalez – então no poder – quanto viria a ser de seu sucessor liberal José María Aznar, o presidente do banco reconheceu o presente que era a desregulamentação financeira. Ao sul dos Pirineus, dois glutões bancários logo devoraram tudo à sua volta: o BBVA, oriundo da fusão entre o Banco de Bilbao, o Banco de Vizcaya e as caixas de poupança Argentaria; e o Banco Santander Central Hispano (BSCH), que surgiu da aproximação entre o Banco Central, o Banco Hispano-Americano e o Banco Santander, seguida da aquisição do Banco Español de Crédito (Banesto). Em 2007, o grupo retomou o nome da comuna da Cantábria onde havia sido fundado: Santander.
Nova reconquista
No fim dos anos 1990, os dois grandes bancos espanhóis aproveitaram o processo de “abertura” e privatização das economias latino-americanas: entre 1997 e 2002, o BBVA investiu US$ 7,8 bilhões na aquisição de 34 bancos da região; no mesmo período, o Santander gastou US$ 12,3 bilhões para comprar 27. A exemplo de outras grandes empresas espanholas, como a Repsol (petróleo), a Telefónica (telecomunicações) ou a Endesa (energia elétrica), esses bancos alçaram-se à categoria de corporações transnacionais em processo de reconquista da América Latina pelo capital espanhol. Mas as compras do Santander não se limitam a essa parte do globo. Em 2004, ele pôs a mão no britânico Abbey, por 13,4 bilhões de euros; em 2007, retomou as atividades do holandês ABN Amro no Brasil e na Itália, por 19,9 bilhões de euros; em 2009, entrou no mercado norte-americano com a aquisição, por US$ 1,6 bilhão, do Sovereign.
Essa estratégia de expansão pretende ser ao mesmo tempo ofensiva (ganhar cotas de mercado) e defensiva (proteger-se contra potenciais aquisições hostis dos concorrentes). Para Botín, é o bê-á-bá dos negócios: “Não basta garantir um crescimento significativo mensal para defender os acionistas”, explicava em 2006. “Se um banco se contentar com esse objetivo, acabará ficando sem combustível.”5 Não é o caso do Santander: de 2004 a 2007, os lucros triplicaram. Entre 2003 e 2006, o volume de negócios da divisão latino-americana saltou de US$ 85 bilhões para 174 bilhões. Em 2010, enquanto a Espanha apenas começava a sair da recessão, a região representava 43% do rendimento do banco: “Faz vinte anos que estamos presentes na América Latina”, resumiu o diretor do banco para a região, em 2010. “É chegada a hora de colher os frutos desse trabalho.”6
Para as populações latino-americanas, a colheita se revela mais decepcionante. A chegada do Santander à região teve como saldo principal a perda de empregos nas instituições anteriormente detidas pelo Estado. Enquanto em 1997 o Santander Colômbia empregava 4.400 pessoas, em 2004 elas não passavam de 950, sem que tenha havido grandes alterações de seu âmbito de atividade. Presente no capital de 33 empresas sediadas em paraísos fiscais, o banco é acionista ou financiador de diversas empresas de armamentos. Ele também concede crédito (direta ou indiretamente) a projetos de alto impacto socioambiental, numa região onde a mineração é feita, na maioria das vezes, sem a menor consideração pela população local.7
Responsabilidade social corporativa
Diante das críticas, o banco Santander desenvolve o discurso da “responsabilidade social corporativa”. Essa “ética empresarial” deu corpo a novos “serviços inclusivos”, destinados às pessoas “desfavorecidas”. Objetivo: contribuir para a emergência de uma “cidadania corporativa”.8 Afinal, “uma América Latina onde mais cidadãos possam gozar do direito de abrir uma conta corrente, obter fundos ou pedir uma hipoteca será uma América Latina mais justa que aquela que conhecemos, em que os direitos financeiros [sic] são privilégio de uma minoria”, analisava um alto dirigente do banco em 2010.9 O Santander lançou então programas de microcrédito no Brasil, Chile, Argentina e El Salvador, distribuindo cartões de crédito e desenvolvendo as possibilidades de empréstimo, na perspectiva daquele que trabalha para o desenvolvimento da região. Mas trata-se também de “não depender exclusivamente das classes superiores”, pois “interessar-se pelas classes médias atuais e futuras” constitui, segundo o banco, “uma opção segura e rentável”.10
Na carta aos administradores que abre o relatório anual de 2010, Botín comemora os sucessos “que permitiram distribuir 19 bilhões de euros a nossos acionistas ao longo dos últimos quatro anos” –mais que todo o programa de austeridade espanhol para 2010-2011. Um programa considerado muito tímido: em março de 2011, Botín cercou-se de quarenta grandes empresários para convidar o primeiro-ministro José Luis Zapatero a “ficar firme”.11 E saiu do encontro mais tranquilo: 2011 “será um ano excelente”, declarou.
Dois meses depois, manifestantes ocuparam importantes pontos da Espanha para denunciar uma crise gerada, em grande parte, pela exuberância de um setor imobiliário galvanizado pela generosidade dos empréstimos concedidos pelos bancos espanhóis: “Não somos mercadorias nas mãos de políticos e banqueiros”,12proclamaram. Análise que alguns assim resumiram: “Seu butim, minha crise”.
 
Fonte: http://contextolivre.blogspot.com/

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