Luiz Manfredini *
A viagem da presidente Dilma Roussef a Cuba, na semana passada, proporcionou ao discurso conservador – e à mídia que tão histrionicamente lhe presta serviços – mais uma das suas incursões recorrentes (e esquizofrênicas) em relação à vigência dos direitos humanos em Cuba.
Há, nesse discurso conservador, algumas vigas mestras que merecem registro. Trata-se de um discurso de propaganda (arma de combate político e ideológico, para usar a expressão feliz da presidente Dilma) e, como tal, faccioso, pois se sustenta naquilo que melhor lhe convém. Isto significa que ignora olimpicamente um campo fundamental dos direitos humanos, o dos direitos econômicos e sociais, a começar pelo mais elementar, pelo que é verdadeiramente essencial: o direito à vida. Evidentemente não teria como acusar Cuba nesse campo em que a Ilha é campeã indiscutível. Então volta as costas para essa face dos direitos humanos em Cuba.
Restam-lhe os direitos políticos. O pensamento conservador não consegue operar com outra noção política que não seja a da democracia liberal, meramente formal, restrita e epidérmica. Por isso é incapaz de perceber como a democracia socialista amplia substancialmente os direitos políticos da sociedade, enraizada que está em seus mais remotos rincões, fomentando consciência política e participação em massa e a todo instante. Ou pensam que aquelas gigantescas manifestações revolucionárias em Havana são realizadas sob a mira de fuzis? Ou pensam que democracia é o debate entre os ricaços que disputam a Presidência dos Estados Unidos, movidos a milhões de dólares, diante de um eleitorado cada vez mais apático e descrente?
Mas o discurso conservador, em função de sua natureza propagandística, em também precisa descontextualizar a questão dos direitos humanos em Cuba. Mais uma vez o seu viés esquizofrênico, ou seja, apartado da realidade, delirante e opaco, ignora que a pequena Ilha está em guerra desde que deixou de ser cassino e prostíbulo para os endinheirados norte-americanos. Guerra que envolve desde o bloqueio econômico capitaneado pelos Estados Unidos até as mais sutis (e mesmo escancaradas) manobras de cerco diplomático, administrativo, militar e cultural. Guerra que vai das aparentemente ingênuas panfletagens a partir de pequenos aviões que, partindo da Flórida, por vezes burlam as defesa aéreas cubanas, até os mais perversos atos de sabotagem e terrorismo, como a guerra bacteriológica para envenenar plantações. Incrível é a ação do Escritório de Interesses dos Estados Unidos em Havana, que apóia, inclusive com dinheiro e materiais, iniciativas que visam derrubar o governo constitucional. O próprio Fidel, tempos atrás, admitiu que as franquias democráticas em Cuba poderiam ser mais amplas, não fosse o clima de subversão da ordem patrocinado pelos Estados Unidos, obcecada em derrubar o que a revolução construiu.
A rigor, o grande crime contra os direitos humanos no território cubano está na base militar norte-americana de Guantânamo, onde 171 prisioneiros acusados de terrorismo são mantidos num limbo jurídico. Nenhuma palavra sobre isso da mídia que representa o pensamento conservador? Nenhuma. Compreende-se: a esquizofrenia anti-cubana só trata do que lhe convém. Para ela, qualquer batedor de carteira, quando preso, é promovido a “dissidente”. As Damas de Branco e aquela blogueira picareta são as queridinhas dessa mídia reacionária, tratadas como as lídimas representantes de uma sociedade oprimida pela revolução. Quanta desfaçatez! Elas falam pelos cotovelos, volta e meia organizam manifestações (com apoio popular praticamente zero) e ainda posam de vítimas. E a mídia repercute esse pensamento de facção, sendo hegemônico, acaba por moldar a opinião pública, incluindo aí, lamentavelmente, certos setores da própria esquerda.
A postura da presidente Dilma em Cuba foi digna e não caiu nas armadilhas do conservadorismo. Querem discutir direitos humanos? Mas o façamos de modo multilateral e comecemos questionando o bloqueio norte-americano e Cuba e a base militar de Guantânamo. Foi mais ou menos o que ela disse em Havana, criticando os que usam o tema como arma política e ideológica.
Ao fazê-lo, Dilma refez-se de certa vacilação em política externa que marcou o início do seu governo. Na época, ao criticar o Irã, ela própria ergueu a bandeira dos direitos humanos de modo algo unilateral, fazendo coro, mesmo que esse não fosse seu desejo, com a hipocrisia do governo norte-americano. Refez-se disso, e bem. Vamos em frente.
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