O século XX foi inquestionavelmente norteamericano. Na virada do século XIX para o XX a hegemonia inglesa já dava sinais claros de esgotamentos. Economicamente, o dinamismo das emergentes economias alemã e norteamericana ameaçava claramente a dianteira inglesa. Militarmente, a Inglaterra teve dificuldades para resolver guerras localizadas na China e na África do Sul.
Enquanto isso a Alemanha, com a pujança do esquema imposto por Bismarck, recuperava o atraso econômico do país, tornando-se rapidamente a economia mais pujante da Europa. E os EUA despontava como o outro concorrente para disputar a sucessão da decadência inglesa.
Simbolicamente, a Inglaterra perdeu pela primeira vez, uma Copa Davis para os EUA, em 1900. Mas o que teve mais efeitos foi a projeção da indústria automobilística. Começado o novo século, chegavam a Londres os primeiros carros Ford norteamericanos. Era apenas o prenúncio da projeção mundial dos EUA como nova potência econômica, no bojo da generalização do consumo de automóveis – tornado o novo sonho de consumo de todos e passaporte de ingresso à classe média.
O automóvel foi a maior mercadoria do século XX, seu consumo se generalizou e seu estilo de vida se internacionalizou, a ponto que se cunhou a expressão “civilização do automóvel” para a era do novo século. E com, ele se afirmou também um estilo de vida, o “modo de vida norteamericano”, enquanto o consumo dos carros puxava o resto das estruturas industriais e impunha um estilo de vida individualizado – ida sozinha para o trabalho, fim de semana de cada família, sentimento de poderia associado à velocidade, etc.
Quando produziu seu primeiro modelo popular, Henri Ford projetava o sonho de consumo também para os trabalhadores – a começar pelos das suas fábricas – que poderiam ter acesso à compra de autos, no projeto de um “capitalismo popular”. O resto da hegemonia norteamericana foi consolidado por Hollywood, que produziu as grandes imagens do século, recontou a história da humanidade na ótica norteamericana e conquistou mentes e corações pelo mundo afora.
Mas isso não teria dado a vitória aos EUA na sucessão da Inglaterra, não tivesse sido derrotada a Alemanha nas duas guerras mundiais – na verdade, uma só, com um intervalo. O campo ficava livre para a projeção dos EUA como líder mundial. A crise de 1929 colocou interrogações, mas a segunda guerra permitiu o aceleramento da recuperação econômica norteamericana, puxada pelo complexo industrial-militar. Enquanto a Europa era destruída, pela segunda vez, em poucas décadas, os EUA aceleravam seu crescimento econômico e chegavam ao fim da segunda guerra como o líder indiscutível do Ocidente, ameaçado apenas pelo surgimento do campo socialista, com a superação do isolamento da URSS pelo surgimento dos países do leste europeu, incoporados à influencia soviética, pelos acordos do fim da guerra.
Mas a outra novidade foi a Revolução Chinesa, inesperada, como toda revolução, heterodoxa, desconcertante. O país de maior população no mundo, abandonava o campo ocidental – onde era uma imensa colônia japonesa e norteamericana – e se somava ao campo socialista. Uma imensa rebelião camponesa colocava novos desafios para a esquerda, mas sobretudo para o campo capitalista.
Os EUA se apressaram a forçar reformas agrárias no Japão, na Coréia do Sul – bombas atômicas e guerra da Coréia que possibilitassem – para tentar desativar as contradições no campo e evitar a proliferação de novas Chinas. As estratégias guerrilheiras ganhavam força na Ásia, África e America Latina.
A liderança espetacular de Mao-Tse-Tung surgiu depois do fracasso da tentativa de reproduzir na China a estratégia bolchevique das insurreições operárias nas cidades, com duas grandes derrotas no final dos ano 20. A “longa marcha” foi o prolongado processo de mobilização e sublevação camponesa, que permitiu, primeiro a expulsão dos japoneses, depois a derrota dos EUA, que levou à vitória revolucionária de 1949.
Porém a China reproduziu, à sua maneira, as mesmas dificuldades da URSS para romper com o capitalismo e construir o socialismo a partir das condições de atraso da periferia colonizada do sistema imperialista. O período de direção de Mao – hoje completamente renegado e esquecido – foi o das grandes viradas para tentar dar “um salto adiante”, do período das “mil flores” até a revolução cultural, com sucessivos fracassos e frustrações.
Ao final da revolução cultural, conforme o discurso atual, o país estava destruído. A revolução cultural não correspondia aos contos que pensadores maoístas pintavam: uma imensa rebelião das bases da sociedade contra a tecnocracia e a burocracia, mas um processo de sistemática destruição das estruturas mesmas do novo Estado chinês, incluídas as universidades, os centros de pesquisa e o próprio Partido Comunista. 200 milhões de pessoas vagam pelo país, desempregadas, enquanto vários milhões cumpriam penas de “recuperação”, enviadas ao campo para conviver com o campesinato.
A Nova China, esta que assombra o mundo, nasce ou renasceu em 1977, com a negação mais radical de tudo o que a revolução cultural pregava. A afirmação de Den-Ziao-Ping – considerado como o refundador da China – de que “Não importa a cor do gato, contanto que ele cace o rato”, apontava para a utilização da tecnologia e todos os meios que permitissem a China retomar o caminho do progresso e da modernização. Quando a revolução cultural se havia notabilizado por concepções exatamente opostas: o que não tivesse expressamente o selo de classe, era burguês. Nesse redemoinho foram tornada maldita não apenas a tecnologia, mas a cultura – renegando-se de Balzac a Shakespeare, de Bethoven a Bach.
O Mao que os chineses reivindicavam é o líder revolucionário que derrotou e expulsou os japoneses e os norteamericanos – que permitiu a independência da China -, não o desastrado dirigente de 1949 até sua morte, em 1975. Sua imagem continua a ocupar o lugar central na majestosa Praça da Paz Celestial, junto à bandeira vermelha com a foice e o martelo, a sede do Partido Comunista e a manutenção do objetivo da construção do socialismo, com a desaparição do Estado e das classes sociais.
Mas a China atual, essa que se projeta de forma aparentemente irresistível no século XXI, foi construída a partir das diretrizes de Deng, que à referências à técnica, incentivou – de forma similar a Lenin, na tentativa de incentivar os camponeses a produzir – os chineses a se enriquecer, dizendo que isso seria “glorioso” ou, pelo menos não teriam que se envergonhar de enriquecer. Foi um retumbante apelo à desmistificação do progresso e à entrega do mais de milhão de chineses ao trabalho.
Os resultados não poderiam ser mais espetaculares. O país tirou da miséria mais de 300 milhões de pessoas, em 3 décadas, o que ninguém nunca havia feito na historia da humanidade. E o fez sem dirigir um sistema colonial ou imperialista, sem intervenções bélicas externas, sem escravidão, nem pirataria (típicos das potências coloniais e imperialistas do Ocidente).
A China recuperou espetacularmente a capacidade de crescer, em meio a um mundo ocidental decadente economicamente, recessivo. (De cada 4 guindastes que se montam no mundo, 3 estão na China.) A China considera que o “breve” período de dois séculos, em que ela foi suplantada por potências ocidentais, um parêntesis em ter suas glórias passadas e as presentes e futuras.
De fato, até o século XVIII, a China não apenas era mais desenvolvida que as potências europeias. Ela não se interessava por comprar nada do ocidente, enquanto os países europeus desejavam loucamente comprar as sedas, as especiarias, os chás, e outros tantos bens produzidos pela China. Para buscar reequilibrar o comercio, a Inglaterra invadiu a China e induziu o consumo do ópio – a chamada guerra do ópio. Não pôde se manter, se retirou para Hong-Kong (devolvido recentemente à China) e passou a exportar para esse país o ópio produzido na maior colônia inglesa – a Índia. Um negócio redondo para a Inglaterra, que passava a ter o que exportar para a China, incentivava a produção do ópio na Índia e encontrava uma mercadoria com a qual equilibrar as exportações chinesas.
Se o século XXI vai ser o século chinês, é uma questão aberta. Do ponto de vista econômico, há fortes indício de que sim. Uma combinação entre economia de mercado com um Estado fortemente regulador, parece combinar fatores positivos dos dois, respondendo em parte pelo contínuo progresso chinês. Se essa força econômica será suficiente ou não para torna-la a potência hegemônica no mundo ao longo do século XXI, depende não apenas da força econômica, mas do poderio militar, da força política, da capacidade de transformar esses elementos em predominância ideológica.
A humanidade entrou, certamente, em um período de crise hegemônica, em que a velha potência dominante se enfraquece, mas mantem sua predominância, enquanto as forças emergentes – das quais a China é a mais importante, junto com países como o Brasil e a Índia, entre outros, - ocupam cada vez mais espaços, apontando para a possível passagem de um mundo unipolar para um mundo multipolar. A China é e será o fator essencial nessa passagem.
Enquanto isso a Alemanha, com a pujança do esquema imposto por Bismarck, recuperava o atraso econômico do país, tornando-se rapidamente a economia mais pujante da Europa. E os EUA despontava como o outro concorrente para disputar a sucessão da decadência inglesa.
Simbolicamente, a Inglaterra perdeu pela primeira vez, uma Copa Davis para os EUA, em 1900. Mas o que teve mais efeitos foi a projeção da indústria automobilística. Começado o novo século, chegavam a Londres os primeiros carros Ford norteamericanos. Era apenas o prenúncio da projeção mundial dos EUA como nova potência econômica, no bojo da generalização do consumo de automóveis – tornado o novo sonho de consumo de todos e passaporte de ingresso à classe média.
O automóvel foi a maior mercadoria do século XX, seu consumo se generalizou e seu estilo de vida se internacionalizou, a ponto que se cunhou a expressão “civilização do automóvel” para a era do novo século. E com, ele se afirmou também um estilo de vida, o “modo de vida norteamericano”, enquanto o consumo dos carros puxava o resto das estruturas industriais e impunha um estilo de vida individualizado – ida sozinha para o trabalho, fim de semana de cada família, sentimento de poderia associado à velocidade, etc.
Quando produziu seu primeiro modelo popular, Henri Ford projetava o sonho de consumo também para os trabalhadores – a começar pelos das suas fábricas – que poderiam ter acesso à compra de autos, no projeto de um “capitalismo popular”. O resto da hegemonia norteamericana foi consolidado por Hollywood, que produziu as grandes imagens do século, recontou a história da humanidade na ótica norteamericana e conquistou mentes e corações pelo mundo afora.
Mas isso não teria dado a vitória aos EUA na sucessão da Inglaterra, não tivesse sido derrotada a Alemanha nas duas guerras mundiais – na verdade, uma só, com um intervalo. O campo ficava livre para a projeção dos EUA como líder mundial. A crise de 1929 colocou interrogações, mas a segunda guerra permitiu o aceleramento da recuperação econômica norteamericana, puxada pelo complexo industrial-militar. Enquanto a Europa era destruída, pela segunda vez, em poucas décadas, os EUA aceleravam seu crescimento econômico e chegavam ao fim da segunda guerra como o líder indiscutível do Ocidente, ameaçado apenas pelo surgimento do campo socialista, com a superação do isolamento da URSS pelo surgimento dos países do leste europeu, incoporados à influencia soviética, pelos acordos do fim da guerra.
Mas a outra novidade foi a Revolução Chinesa, inesperada, como toda revolução, heterodoxa, desconcertante. O país de maior população no mundo, abandonava o campo ocidental – onde era uma imensa colônia japonesa e norteamericana – e se somava ao campo socialista. Uma imensa rebelião camponesa colocava novos desafios para a esquerda, mas sobretudo para o campo capitalista.
Os EUA se apressaram a forçar reformas agrárias no Japão, na Coréia do Sul – bombas atômicas e guerra da Coréia que possibilitassem – para tentar desativar as contradições no campo e evitar a proliferação de novas Chinas. As estratégias guerrilheiras ganhavam força na Ásia, África e America Latina.
A liderança espetacular de Mao-Tse-Tung surgiu depois do fracasso da tentativa de reproduzir na China a estratégia bolchevique das insurreições operárias nas cidades, com duas grandes derrotas no final dos ano 20. A “longa marcha” foi o prolongado processo de mobilização e sublevação camponesa, que permitiu, primeiro a expulsão dos japoneses, depois a derrota dos EUA, que levou à vitória revolucionária de 1949.
Porém a China reproduziu, à sua maneira, as mesmas dificuldades da URSS para romper com o capitalismo e construir o socialismo a partir das condições de atraso da periferia colonizada do sistema imperialista. O período de direção de Mao – hoje completamente renegado e esquecido – foi o das grandes viradas para tentar dar “um salto adiante”, do período das “mil flores” até a revolução cultural, com sucessivos fracassos e frustrações.
Ao final da revolução cultural, conforme o discurso atual, o país estava destruído. A revolução cultural não correspondia aos contos que pensadores maoístas pintavam: uma imensa rebelião das bases da sociedade contra a tecnocracia e a burocracia, mas um processo de sistemática destruição das estruturas mesmas do novo Estado chinês, incluídas as universidades, os centros de pesquisa e o próprio Partido Comunista. 200 milhões de pessoas vagam pelo país, desempregadas, enquanto vários milhões cumpriam penas de “recuperação”, enviadas ao campo para conviver com o campesinato.
A Nova China, esta que assombra o mundo, nasce ou renasceu em 1977, com a negação mais radical de tudo o que a revolução cultural pregava. A afirmação de Den-Ziao-Ping – considerado como o refundador da China – de que “Não importa a cor do gato, contanto que ele cace o rato”, apontava para a utilização da tecnologia e todos os meios que permitissem a China retomar o caminho do progresso e da modernização. Quando a revolução cultural se havia notabilizado por concepções exatamente opostas: o que não tivesse expressamente o selo de classe, era burguês. Nesse redemoinho foram tornada maldita não apenas a tecnologia, mas a cultura – renegando-se de Balzac a Shakespeare, de Bethoven a Bach.
O Mao que os chineses reivindicavam é o líder revolucionário que derrotou e expulsou os japoneses e os norteamericanos – que permitiu a independência da China -, não o desastrado dirigente de 1949 até sua morte, em 1975. Sua imagem continua a ocupar o lugar central na majestosa Praça da Paz Celestial, junto à bandeira vermelha com a foice e o martelo, a sede do Partido Comunista e a manutenção do objetivo da construção do socialismo, com a desaparição do Estado e das classes sociais.
Mas a China atual, essa que se projeta de forma aparentemente irresistível no século XXI, foi construída a partir das diretrizes de Deng, que à referências à técnica, incentivou – de forma similar a Lenin, na tentativa de incentivar os camponeses a produzir – os chineses a se enriquecer, dizendo que isso seria “glorioso” ou, pelo menos não teriam que se envergonhar de enriquecer. Foi um retumbante apelo à desmistificação do progresso e à entrega do mais de milhão de chineses ao trabalho.
Os resultados não poderiam ser mais espetaculares. O país tirou da miséria mais de 300 milhões de pessoas, em 3 décadas, o que ninguém nunca havia feito na historia da humanidade. E o fez sem dirigir um sistema colonial ou imperialista, sem intervenções bélicas externas, sem escravidão, nem pirataria (típicos das potências coloniais e imperialistas do Ocidente).
A China recuperou espetacularmente a capacidade de crescer, em meio a um mundo ocidental decadente economicamente, recessivo. (De cada 4 guindastes que se montam no mundo, 3 estão na China.) A China considera que o “breve” período de dois séculos, em que ela foi suplantada por potências ocidentais, um parêntesis em ter suas glórias passadas e as presentes e futuras.
De fato, até o século XVIII, a China não apenas era mais desenvolvida que as potências europeias. Ela não se interessava por comprar nada do ocidente, enquanto os países europeus desejavam loucamente comprar as sedas, as especiarias, os chás, e outros tantos bens produzidos pela China. Para buscar reequilibrar o comercio, a Inglaterra invadiu a China e induziu o consumo do ópio – a chamada guerra do ópio. Não pôde se manter, se retirou para Hong-Kong (devolvido recentemente à China) e passou a exportar para esse país o ópio produzido na maior colônia inglesa – a Índia. Um negócio redondo para a Inglaterra, que passava a ter o que exportar para a China, incentivava a produção do ópio na Índia e encontrava uma mercadoria com a qual equilibrar as exportações chinesas.
Se o século XXI vai ser o século chinês, é uma questão aberta. Do ponto de vista econômico, há fortes indício de que sim. Uma combinação entre economia de mercado com um Estado fortemente regulador, parece combinar fatores positivos dos dois, respondendo em parte pelo contínuo progresso chinês. Se essa força econômica será suficiente ou não para torna-la a potência hegemônica no mundo ao longo do século XXI, depende não apenas da força econômica, mas do poderio militar, da força política, da capacidade de transformar esses elementos em predominância ideológica.
A humanidade entrou, certamente, em um período de crise hegemônica, em que a velha potência dominante se enfraquece, mas mantem sua predominância, enquanto as forças emergentes – das quais a China é a mais importante, junto com países como o Brasil e a Índia, entre outros, - ocupam cada vez mais espaços, apontando para a possível passagem de um mundo unipolar para um mundo multipolar. A China é e será o fator essencial nessa passagem.
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