sexta-feira, 29 de julho de 2011

Artigo: PT aos 31 ANOS

O PT passou no teste da arte da política. E vai continuar tendo novos testes, pois a vida é dinâmica, cambiante.

As últimas eleições confirmaram que o Partido dos Trabalhadores (PT) definitivamente marca a história brasileira como partido condutor da nação neste início de século XXI. Para continuar na liderança da sociedade brasileira na nova década, precisa, em primeiro lugar, demonstrar no governo Dilma a mesma competência demonstrada no governo Lula: competência para garantir alto grau de desenvolvimento com inclusão social; competência para garantir avanços no sentido da igualdade social, dialogando com as outras forças políticas e levando em conta as dificuldades do sistema desigual; competência para conduzir o Brasil no mar das crises mundiais da economia, do meio ambiente, e para fazer uma política externa respeitada e independente; competência para ampliar a democracia mantendo a confiança política da maioria sem sufocar as minorias.


O PT passou no teste da arte da política. E vai continuar tendo novos testes, pois a vida é dinâmica, cambiante. Por isso haverá, em 2011, a continuação do 4º Congresso do PT, tendo como um de seus objetivos reciclar a vida partidária.
É essencial a um partido que, para ser vitorioso, tenha uma política vitoriosa fundamentada numa ampla base social. É bom lembrar que o 4º Congresso, na sua primeira etapa no ano passado, demonstrou exemplar unidade ao consagrar a companheira Dilma Rousseff como candidata a ser apresentada ao povo brasileiro e aos outros partidos da base do governo, definindo as linhas gerais do programa de governo para o próximo período.


É também essencial a um partido vitorioso que seja atrativo sob o aspecto dos valores. A sua vida interna deve regular e possibilitar isto. A unidade (de tantas diversidades num país tão diverso) é um valor; a tolerância (reconhecendo e respeitando a diversidade) é um valor; a liberdade de debater (tantas opiniões sobre o presente e o futuro) é um valor; a fidelidade (entre o que se diz e o que se faz) é um valor; a ética (numa sociedade tão fácil de se corromper) é um valor.


2010, quando o PT completou 30 anos, foi consagrador com a nova vitória presidencial e pela primeira vez como o partido mais numeroso na Câmara dos Deputados. 2011, aos 31 anos, deve ser consolidador de uma vitalidade e robustez interna que permitam muitos bons serviços para o futuro da sociedade brasileira e da sociedade mundial, uma vez que o Brasil faz parte agora do grupo das nações mais influentes.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Olívio Dutra afasta chance de ser candidato em Porto Alegre

"Torço para o PT e os demais campos de esquerda estejam unidos", diz Olívio | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Rachel Duarte

Apesar das especulações sobre seu nome ser colocado como candidato do PT à prefeitura de Porto Alegre, o ex-governador Olívio Dutra disse nesta quarta-feira (27), ao Sul21, que “não há nenhuma possibilidade” de que isso aconteça em 2012. Segundo Olívio, seu nome nem está colocado nas discussões internas do PT para composição da chapa. Para o ex-governador, o PT deve ter candidatura própria na capital gaúcha. “Mas é um sonho”, reconhece.
O ex-governador admite que, apesar de ter bons quadros, o PT não terá como “fugir” da equação para formar uma coligação. Ele defende que seja reeditado o bloco de esquerda, com PCdoB e PSB. “Eu torço para o PT e os demais campos de esquerda estejam unidos na disputa. Que saia um acordo”, falou. “Mas nada pode ser imposto”, ponderou.
Olívio salientou que, mais importante que os nomes ou mesmo a chapa pura ou o posto de vice, o PT tem que priorizar o conteúdo que irá apresentar na disputa. “Tem que discutir um projeto que contraponha o neoliberalismo, para inserir Porto Alegre na Região Metropolitana, no Estado e em sintonia com o país”, completou.
O PT já afirmou oficialmente, em carta da direção municipal do partido, que buscará ser “protagonista” nas eleições municipais em Porto Alegre, mas cogitando a possibilidade de alianças com partidos de esquerda que formam a base de sustentação do governo Tarso Genro.

Apresentação do Plano Brasil Sem Miséria

Brasil Sem Miséria terá acréscimo de R$ 4 milhões mensais no Rio Grande do Sul

Ministra Tereza Campello lançou programa federal no RS, que terá acréscimos do governo do Estado | Ramiro Furquim/Sul21

Rachel Duarte

Além de cadastrar as 306 mil famílias que vivem em situação de extrema pobreza no Rio Grande do Sul junto ao Brasil Sem Miséria, o governo gaúcho acrescentará mais recursos e serviços na versão local do programa. Cada família receberá R$ 50 por mês e terá uma oferta de oficinas e atividades profissionalizantes. O anúncio da iniciativa do governador Tarso Genro foi feito nesta quinta-feira (30) na presença da ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello.
O governo estadual ainda calcula quanto irá dispor para ampliar os recursos do Bolsa Família no Estado. São estimados gastos de R$ 4 milhões por mês para o teto das famílias passar de R$ 232 (valor do Bolsa Família) para R$ 290. Somado aos valores dos serviços que serão agregados nos territórios de ação do programa, o RS Mais Igual significará um investimento de R$ 25 milhões por mês. Os recursos serão liberados a partir de outubro, quando o trabalho de identificação das famílias já estiver concluído. O cartão com a bandeira dos programas federal e regional já estão prontos para o saque dos futuros beneficiários junto à Caixa Economica Federal.
A ida a campo para cadastrar as famílias no Busca Ativa – mecanismo do programa federal que garante a inclusão das pessoas no Bolsa Família – começará por Bagé nesta sexta. Uma equipe da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social dará início ao chamado Mutirão Social. A meta é cadastrar em quatro anos 400 mil famílias no Estado.

Enfrentando o câncer, ministra recebeu o carinho de Villaverde e Tarso | Ramiro Furquim/Sul21

Esta etapa é a mais árdua e o ponto de maior deficiência do Estado. Segundo a ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, o Rio Grande do Sul tem o menor índice de cadastros das famílias pobres. “Nós temos um cadastramento aqui bem abaixo da média nacional, que é 70% de cadastrados nos Estados. Faltou empenho do governo estadual e das prefeituras para cadastrar as pessoas”, disse.
Na avaliação da ministra, o Brasil Sem Miséria alcançará a meta de cadastramento das famílias em extrema pobreza no Bolsa Família até 2013. Estão previstas em todo o país 1,7 milhões de vagas para capacitar os beneficiários em alguma atividade profissional. “Esta família recebe o benefício e segue trabalhando. Muitas saem do programa e acabam tendo que voltar depois. A ideia não é tirá-las do programa e sim dar suporte para que elas possam trabalhar”, esclareceu.
Solidariedade
A cerimônia de lançamento do RS Mais Igual ocorreu no Palácio Piratini com um clima de acolhimento e humanismo. Uma integrante do Movimento Nacional dos Catadores de Lixo utilizou o microfone para agradecer a iniciativa do governo estadual. Maria Tugira veio de Uruguaiana, onde criou seis filhos com o trabalho no Lixão de Uruguaiana, para representar a categoria a ser beneficiada com a transferência de renda do governo. Ao término de sua fala, foi aplaudida de pé pelo público do evento.

Catadora discursou no Palácio Piratini, arrancando aplausos | Ramiro Furquim/Sul21

A Orquestra Vila-Lobos, composta por estudantes da escola municipal de mesmo nome, na Lomba do Pinheiro, também emocionou os presentes. A orquestra é um projeto social da escola, que dá aulas gratuitas de educação musical para 800 pessoas.
Outro momento de forte emoção durante a solenidade foi a fala da ministra Tereza Campello. Enfrentando um câncer desde o final de 2010, a ministra passa por sessões de quimioterapia. Com os cabelos raspados e muito sensibilizada, ela se sentiu acolhida com a volta ao Estado onde viveu e se constituiu politicamente. “Eu retorno a este Palácio pela primeira vez depois de nove anos e vejo muitos conhecidos. Me sinto feliz por estar aqui neste momento da minha vida”, falou emocionada e citando a família presente no salão.
A ministra também citou o presidente da Assembleia Legislativa, Adão Villaverde, que além de companheiro de política, também enfrentou a mesma doença. Tereza Campello trabalhou no governo gaúcho na gestão de Olívio Dutra. “Ela não é só uma militante, é uma humanista radical. Daquelas que vão às questões pela raiz, o que não tem nada ver com irracionalidade ou violência”, disse o governador Tarso Genro sobre a ministra.

Ouça a íntegra da entrevista com o economista Enéas de Souza:

http://soundcloud.com/sul-21/eneas-de-souza

Enéas de Souza: “Estamos na tempestade e não percebemos”


“As coisas só se resolvem com o Estado tendo um controle da economia, e a questão sempre é quem controla esse Estado, e fazendo o quê” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21


Daniel Cassol e Benedito Tadeu César

No momento em que os Estados Unidos discute a elevação do teto da dívida pública e a União Europeia trabalha para socorrer a economia de seus países integrantes, o mundo busca explicações sobre a natureza de mais uma crise financeira.

“Estamos no meio de um temporal e não percebemos”, resume o economista Enéas de Souza, que nos seus artigos no Sul21 vem analisando a derrocada dos mercados na Europa e nos Estados Unidos e as alternativas para a saída da crise. Desta vez em longa entrevista, com trechos em vídeo e a íntegra em áudio, o economista aprofunda seus pontos de vista e não deixa de criticar às análises economicistas.

“Os que se recusaram a pensar a política estão fora da compreensão da situação atual do mundo, porque ela é complexa, é uma crise financeira, produtiva, estatal e ideológica”, diz Enéas de Souza, lembrando que ainda não estamos conseguindo perceber as profundas transformações que estão ocorrendo no modo como funciona a sociedade.

Nesta entrevista, realizada em sua residência na semana passada, Enéas de Souza analisa as causas da crise financeira, o momento atual dos Estados Unidos e da União Europeia, e o processo de transição para uma nova economia, no qual o Brasil pode jogar um papel preponderante. “As coisas só se resolvem com o Estado tendo um controle da economia, e a questão sempre é quem controla esse Estado, e fazendo o quê”, afirma.



Sul21 – Em um dos teus artigos recentes no Sul21, tu escreveste que as causas da crise financeira de 2007 e 2008 ainda não foram resolvidas. Qual é a natureza e a gravidade dessa crise?

Enéas de Souza – Estamos num momento de transição. A atual sociedade tem uma hegemonia brutal das finanças sobre a economia e sobre o Estado. Houve, a partir a destruição da União Soviética, a criação de um eixo único da economia e da política, dominado pelos Estados Unidos. Esse eixo entrou em crise em 2001, na crise das bolsas. Estamos na passagem de uma estrutura produtiva, baseada em petróleo e automóveis, para uma outra realidade, que são as tecnologias de comunicação e informação. Mas as coisas não se transformam assim. A economia vai crescendo, atinge uma maturidade e começa a cair, enquanto que na parte final desse ciclo, uma outra economia produtiva vai funcionando. A crise é financeira, mas também produtiva, de Estado e ideológica. São essas quatro crises funcionando no momento. Na crise financeira, o centro que move a finança é a especulação. Vai se especulando, especulando, e aí o ponto fundamental foi o sistema de securitização, eu sustento um título, em cima de outro título, e assim vai, uma montanha de títulos que não se sustentam em nada. Até que chega um ponto que o título não funciona mais. No final da crise imobiliária, qualquer pessoa nos Estados Unidos poderia comprar um apartamento, sem dinheiro, sem ativos, sem propriedades.


“Estamos no meio de um temporal e nem enxergamos. Uma das questões chave dessa situação é uma crise ideológica muito profunda, que leva inclusive as pessoas a não se informarem muito. Muitos economistas só ficaram ligados nas questões do mercado e perderam o bonde. Não estão entendendo essa realidade toda” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21


Sul21 – É o final de um grande ciclo, com a fuga dos capitais para o mercado especulativo.

Enéas de Souza – Mas esse sistema sempre foi especulativo a partir dos anos 70, quando se criou uma hegemonia das finanças que precisavam dominar o sistema. O que fizeram? Construíram uma moeda, uma moeda financeira. Acabou a moeda dólar ouro, que era uma moeda ligada a uma mercadoria, e criaram uma moeda que não está ligada em nada, a não ser o Estado. Por isso, em todas as crises financeiras já se afeta uma questão monetária. A moeda financeira é garantida por um Estado, no caso americano. No caso do euro, temos um problema. Por quem é garantido o euro? Não temos um Tesouro da Europa. Se eu quero comprar um produto, troco dinheiro pela mercadoria. Mas se quero guardar dinheiro, como guardar sem perder valor? Se eu tenho ouro, ele funciona como valor geral. No momento que eu não tenho mais isso, tenho que conservar de alguma forma. Eu posso conservar o dinheiro aplicando em títulos do tesouro americano, que é o título mais valorizado e o mais seguro.

Sul21 – Hoje há uma crise nos Estados Unidos, uma disputa entre republicados e o governo de Barack Obama, que precisa ampliar o poder de endividamento. Se ele não conseguir, quais são as consequências?

Enéas de Souza – Se eu limitar o endividamento, significa que não posso mais pedir empréstimos. Se não posso pedir empréstimos, não terei dinheiro para pagar os títulos que estão no mundo. Esse endividamento dá uma crise geral. Se o Tesouro americano não consegue pagar seus títulos, o dólar passa a não ser uma moeda respeitável. Quem tem títulos em dólares, terá problemas. A China tem mais de US$ 1 trilhão em títulos americanos, o Brasil tem US$ 200 e poucos bilhões. Há uma situação relativamente em cadeia. Os próprios capitais teriam um problema pois estariam colocados numa moeda que não tem uma garantia. A especulação seria absolutamente violentíssima.

Sul21 – Isso tem solução? O padrão anterior era ouro, que acabou nos anos 70, e hoje é a moeda financeira. Qual a outra alternativa para a moeda financeira?

Enéas de Souza – Nós temos uma questão política por trás, que é a reorganização do mundo, que passa por dois eixos. O eixo EUA-Inglaterra-Europa, que está inflamando, e o outro é a China, Ásia, e passa pelo Brasil também, que está no meio dos dois. Toda a questão é qual vai ser a moeda. Em princípio, vai ter que ser o dólar, pois ele é garantido por um Estado que tem uma economia poderosa, além de poderio militar, ideológico e diplomático. Se o dólar entra em questão, temos um problema. Já o euro está muito pior que o dólar. Qual seria a moeda? Poderia ser o yuan da China, mas ela é uma moeda administrada e não está sofrendo os impactos do mercado internacional.


“As finanças estão entrando em crise, elas dominam o Estado, mas elas não têm projeto, pois elas jogam no instantâneo, no imediato. O projeto das finanças é o projeto de hoje” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21


Sul21 – O ministro da Fazenda, Guido Mantega, tem uma proposta de uma cesta de moedas.

Enéas de Souza – Seria um conjunto de moedas, com uma ponderação, e o resultado disso dá uma moeda de troca internacional. Pois uma coisa são as trocas entre países, e outra é a moeda interna de um país. O problema é que ponderações vamos dar, ou seja, é um jogo também político.

Sul21 – Se centraliza num só país, ele fica com muito poder. Se retira…

Enéas de Souza – A moeda é resultado de poder político e econômico, não apenas econômico. A moeda tem de ser exatamente financeira nesse momento, pois as finanças continuam dominando, mas tudo vai depender do mundo para o qual estamos indo. As finanças estão entrando em crise, elas dominam o Estado, mas elas não têm projeto, pois elas jogam no instantâneo, no imediato. O projeto das finanças é o projeto de hoje. A passagem do modelo centrado no petróleo para o modelo das tecnologias de comunicação vai criar uma mudança completa, mas para isso acontecer é necessário que tenha algo impedindo as finanças de continuarem com seu jogo especulativo. Como as finanças dominam o Estado, o Estado não tem condições de dominar as finanças. Nos EUA, todas as leis passam pelo Congresso. Quem tem poder no Congresso são os lobbies. Quando houve o segundo plano de salvamento dos bancos americanos, o Congresso bloqueou todas as propostas do Obama, ou deixou apenas as menores, aquelas que até ajudariam as finanças. É preciso controlar as finanças, porque o crédito não pode ir para a especulação, mas também para a produção. Se as finanças se autorregulam, tu achas que elas vão se voltar para a produção?

Sul21 – Como disse Max Weber, o capitalismo é o encontro do capital com o Estado. Como o capital hoje controla o Estado, há um desequilíbrio.

Enéas de Souza – O FED (Banco Central americano) é dirigido por um financista. Do outro lado você tem o Tesouro, que gere as finanças do Estado. No caso do americano, o secretário do Tesouro é o Timothy Geithner, um cara que vem do Banco Central de Nova Iorque, é ligado às finanças. Como foi montado o governo Obama? O conselho dele na Casa Branca era dominado pelo Lawrence Summers, um homem vinculado às finanças. As finanças dominam completamente o Legislativo e o Executivo. A proposta do Obama, que não era necessariamente antifinancista, mas era mais regulacionista, foi bloqueada no Congresso. Uma das questões fundamentais é separar os bancos das instituições financeiras especulativas, dos bancos de investimento, pois é necessário ter uma possibilidade de crédito para o setor produtivo, senão tudo vai para a área financeira. O conceito que me parece importante é o conceito de capital financeiro, pois ele mostra que há duas órbitas no movimento de capital, uma financeira e outra produtiva. Só que quando há hegemonia financeira, a órbita produtiva se gere em função da outra. As tesourarias de todas as empresas aplicam no mercado financeiro. As empresas também são dominadas pelo mercado financeiro.

Sul21 – Em vez do lucro ser reaplicado em produção, vai para o mercado financeiro.

Enéas de Souza – É só ver a estrutura das empresas. A governança corporativa é a financeirização do micro. Toda empresa hoje tem de funcionar para dar uma rentabilidade alta de suas ações. Toda a atividade é voltada para a oscilação das ações.


“As tesourarias de todas as empresas aplicam no mercado financeiro. As empresas também são dominadas pelo mercado financeiro. Toda empresa hoje tem de funcionar para dar uma rentabilidade alta de suas ações” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21


Sul21 – Gostaríamos que o senhor falasse da situação da União Europeia. De que modo a crise financeira no continente pode dar sinais de saída para esse novo modelo que o senhor fala?

Enéas de Souza – O caso da Europa é bem mais complicado que os EUA, pois não há um governo europeu, apenas uma unidade política. Essa União Europeia foi a constituição do que há alguns anos atrás se chamava de a “Europa dos capitais”. O que funciona para o capital é não ter controle, então ele avança no espaço onde ele pode fazer o que quiser. Eles fizeram isso, avançaram, apenas criaram uma certa garantia, um Banco Central europeu, mas não há governo, Estado ou Tesouro. Quando a economia cresce, tudo dá certo de um modo geral, mas quando começa a ter crise, as coisas começam a aparecer. A Europa não tinha moeda efetivamente, tinha uma moeda de circulação, de conta, mas não uma para reserva de valor. O Tesouro Nacional de cada Estado dava a garantia da moeda. Imagina na Grécia, quando tu tens um Tesouro que não garante nada. Como é uma Europa dos capitais, as coisas foram jogadas sempre num certo confronto, e sempre jogadas com a mudança da geopolítica interna. A Alemanha hoje comanda a Europa, claro que não tem poder absoluto, mas, de forma compartilhada com a França, a Alemanha está gerindo e dificultando acordos. O segundo ponto é que são todas economias diferenciadas. Nesse momento, eles estão discutindo na Europa como vai se resolver a crise grega, mas isso devia ter sido solucionado há muito tempo. No caso da Grécia, vários bancos franceses e alemães forneceram recursos para a Grécia. Se por acaso ela quebra efetivamente, vão todos esses bancos, e é uma reação em cadeia.

Sul21 – O senhor considera adequado esse pacote de ajuda à Grécia, na medida em que é a mesma solução aplicada a na crise de 2007, que não resolveu nada?

Enéas de Souza – É que este plano de salvamento foi de “meio salvamento”, atiraram uma boia que não estava inflada. Foram 110 bilhões ano passado, agora mais 70. A Grécia não tem dinheiro, os bancos estão cada vez pressionando mais e, se eles não emprestam, como ela vai fazer? Essa é a questão. Há várias propostas, inclusive de não pagar nada, o que daria muito problema. É importante salientar também que está em gênese a possibilidade, se os políticos forem inteligentes, de fazer uma Europa também de cidadãos e não apenas do capital. Para isso teria de se criar um Estados Unidos da Europa, com um Estado, mas isto levaria muito tempo. Segundo ponto é a possibilidade de um Tesouro europeu. Outro ponto que também entra na solução da crise é que a Europa poderia comprar os títulos da Grécia e gerir. Se ela entra no mercado, ela baixa o que estão pedindo e gere mais facilmente a crise do que a própria Grécia. Essa ideia do fundo de resgate, que se transformaria em uma agência de dívidas europeias, é também um embrião dessa possibilidade do Tesouro se constituir em realidade. Tudo isso é muito complicado, pois envolve primeiro uma solução política. É a Europa dos capitais que está em crise, mas ela vendeu para a população que estava fazendo a união da Europa. Esse é o ponto, como passar de fato para uma Europa política, capaz de se administrar totalmente. O segundo ponto é como bloquear a questão financeira, pois do jeito que está, é um saco sem fundo. É preciso um controle do Estado sobre as finanças. Só temos o Banco Central europeu e a possibilidade de um Tesouro europeu, mas não tem um Estado. Nos EUA, tu tens uma crise também do Estado. Como se relaciona o Estado com o setor privado? Veja essa crise do Rupert Murdoch, estamos numa situação dramática, porque tu não sabes quem manda em quem. Ele tem um domínio do sistema de comunicação da nação. Há uma crise nesse sistema. O Brasil está na ponta. Na outra ponta, está o eixo da China, onde o Estado domina. É importante que independente se sou favorável que o Estado domine a sociedade, o fato é que nesse momento atual o Estado domina as finanças chinesas, a política industrial, o mercado de trabalho, a possibilidade da construção de uma política econômica global. O que está em questão hoje é qual é o papel do Estado.



“Quando a economia cresce, tudo dá certo de um modo geral, mas quando começa a ter crise, as coisas começam a aparecer. A Europa não tinha moeda efetivamente, tinha uma moeda de circulação, de conta, mas não uma para reserva de valor” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21


Sul21 – Um controle maior do Estado sobre a economia é uma alternativa para essa crise.

Enéas de Souza – As coisas só se resolvem com o Estado tendo um controle da economia, e a questão sempre é quem controla esse Estado, e fazendo o quê. Isso é uma transformação completa. Estamos no meio de um temporal e nem enxergamos que há temporal. Uma das questões chave é a crise ideológica muito profunda, que leva inclusive as pessoas a não se informarem muito. Acabaram com a teoria, só quiseram ficar com a prática, e todos ficaram sem capacidade de compreender o mundo. Muitos economistas só ficaram ligados nas questões do mercado e perderam o bonde. Não estão entendendo essa realidade toda. Os que se recusaram a pensar a política, estão fora da compreensão da situação atual do mundo, porque ela é complexa, é uma crise financeira, produtiva, estatal e ideológica.

Sul21 - Sobre o Brasil, quando Lula ganhou a eleição, os títulos da dívida pública caíram de valor e o dólar bateu lá em cima, porque se esperava que ele desse um calote. A solução foi trazer o Henrique Meirelles, um cara do mercado financeiro. A economia brasileira cresceu na crise, mas temos hoje a maior taxa de juros do mundo. Temos uma dívida externa muito grande. Outra preocupação é que a ecomomia esteja centrada na produção de commodities, não estamos investindo nas novas tecnologias. O Brasil não está caindo numa grande armadilha?

Enéas de Souza – Na minha opinião, o Brasil fez uma passagem absolutamente extraordinária. Quando o Lula entrou, a situação era muito grave pois houve um ataque frontal das finanças ao Brasil, já no período da eleição. Mas o País conseguiu fazer um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Lula ganhou e conseguiu colocar o pais numa situação relativamente boa.

Sul21 – O financista George Soros chegou a dizer que os brasileiros não tinham direito à escolha.

Enéas de Souza – Eles pensam assim, e isso que o Soros é dos melhores, imagina o resto. No final do governo Fernando Henrique Cardoso, foi feita uma coisa horrível, pois se mudaram os prazos que estavam alongando, para mais curtos. Quando o Lula entrou, a crise estava muito forte. Mas conseguiu resolver, não só pela presença do Meirelles mas também por políticas mais ligadas à questão financeira. O Lula fez uma jogada que demorou muito tempo para as pessoas perceberem, que foi uma política coerente em relação aos trabalhadores e deserdados: aumentou o salário mínimo, deu crédito à população, criou o Bolsa Família, depois o Minha Casa, Minha Vida. Isso tudo é uma política coerente, que a Dilma está continuando, como o Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego), ou seja, criar pessoas para o modelo produtivo que está vindo, ao mesmo tempo o Minha Casa, Minha Vida 2. Há uma política coerente, sem destruir as vantagens que o capital financeiro tinha. Na crise de 2007 e 2008, todo mundo caiu. Por que o Brasil caiu menos? Porque fez uma política keynesiana por dentro. O Estado entrou em campo e, ao invés de investir, pois não tinha como, renunciou seus impostos e estimulou a indústria dos automóveis, permitiu que as classes médias avançassem na sua constituição de bens, ou seja, conseguiu parar a situação e o Brasil se recuperou rápido. Mas voltando à pergunta. Nós nos recuperamos também porque a especulação internacional em commodities favoreceu o Brasil naquilo que nós temos de produção para exportação. Como a especulação aumenta o preço, nós aumentamos o preço também. Nós conseguimos manter o saldo da balança comercial razoavelmente positivo, embora haja problema nas transações correntes. Mas todo o problema é a passagem de uma economia determinada para outra. Essa passagem é feita, mas essa economia nova precisa se sustentar em algo também. As pessoas precisam comer. E o Brasil tem essas coisas. Nós temos petróleo, temos produção alimentar. Nós estamos já ancorados nesse novo modelo.




“O Lula fez uma jogada que demorou muito tempo para as pessoas perceberem, que foi uma política coerente em relação a área dos trabalhadores e dos deserdados, sem destruir as finanças” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21


Sul21 – O Brasil, estando no meio dos modelos de Estado e suas relações, seria aí uma fórmula possível?

Enéas de Souza – Aí já entramos no campo da incerteza. No Brasil, ainda continuamos sob a situação de pressão das finanças. No período final do Lula, as coisas avançaram, pois como as finanças americanas estavam em crise, essa ligação, sistema bancário e finanças internacionais, foi meio que afastada. Mas com a recuperação em 2008 das finanças americanas, pelo menos no sentido de especular e ganhar dinheiro, novamente mudou. De outro lado, o governo do Lula tinha um setor produtivo muito unido ao governo, pois este estava pensando em modificações profundas. O PAC era um exemplo disso, independente de dar resultados ou não, deste ponto de vista, ele deu resultados, ele trouxe o setor produtivo para apoiar o governo. O setor produtivo, hoje, não está unido, pois uma parte, o agrobusiness, que está satisfeita, a construção civil está começando a ficar satisfeita, e outra parte, indústria de tecidos, objetos eletrônicos, brinquedos, estão sofrendo uma concorrência brutal com a China. O Brasil está ligado economicamente à China, mas será que geopoliticamente é importante estar ligado à China? Politicamente nós estamos mais pendendo para os Estados Unidos, com o pré-sal, a Quarta Frota, a questão da Amazônia. Você vê que o Brasil está muito cauteloso na política externa.


“O Brasil está ancorado nesse novo modelo. Não temos capacidade ainda de competir nas questões das indústrias que vão liderar o processo, mas sem a gente esse modelo não vai avançar” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21


Sul21 – Do ponto de vista imediato o Brasil está preparado?

Enéas de Souza – Acho que sim. O Brasil está preparado assim como na crise de 2008, de fazer aquilo que eu chamei de keynesianismo por dentro, de fazer renúncia fiscal para manter a produção. O Brasil tem condições, uma indústria que pode voltar-se para dentro, ou seja, tem um grau de autonomia que não tinha antes. O Brasil era um país sem articulação e mudou radicalmente. É um país de alguma importância, e que já estava existindo, mas quem deu essa ação foi o Lula. E foi fundamental se desatrelar dessa visão neoliberal que nos levou ao inferno. O Estado podia ser ineficiente, mas não precisava ter vendido algumas empresas, não precisava liquidar o planejamento. A questão fundamental nisso tudo é que nós temos uma constante luta, combate, uma divisão na sociedade. Essa crise americana e europeia só pode ser entendida nessa situação de passagem da geopolítica e do novo modo de produção das tecnologias de comunicação. E é necessário uma reforma do Estado para controlar as finanças. E tem de ocorrer em nível mundial. Isso não vai acontecer facilmente, é um movimento de grande luta e transformações. Aliás, é necessário construir condições ideológicas para fomentar essa transição e a reforma do Estado, que não se muda assim no mais sem ideologia. Uma coisa que se pensou equivocadamente, ao meu ver, é que o capitalismo não é apenas uma economia produtiva ou financeira, ele é um modo de organização da sociedade humana no desenvolvimento histórico. As forças que estão funcionando passam por vários aspectos, passa pela economia, política, mas passa também pela cultura, pela ideologia… se vocês pensarem bem, olha o que está acontecendo com a mobilidade social, pessoas que saíram de condições terríveis de vida, elas querem mais um novo carro, mais uma nova casa. Nós não nos damos conta ainda do que foi esse avanço do neoliberalismo, e que coisas absolutamente absurdas se criou no mundo. Por exemplo, a ideia de que você precisa ser vencedor. Se há bilhões de pessoas, quantos vencedores serão? Tem de mudar essas coisas todas. O sentido fascinante do mundo é esse momento de grandes transformações.

Financiamento público gera impasse, diz Fontana

Deputado federal Henrique Fontana (PT-RS) | Foto: Pedro França/Agência Câmara
Relatório do deputado federal Henrique Fontana (PT-RS) será apresentado no dia 10 de agosto | Foto: Pedro França/Agência Câmara

Com o relatório pronto para entregar à Comissão de Reforma Política da Câmara Federal, o deputado Henrique Fontana (PT-RS) acredita que o financiamento público de campanha deve ser o ponto de maior polêmica. Ele apresentará seu relatório no dia 10 de agosto.
No Senado, o relator Aloysio Nunes (PSDB-SP) apresentou voto contrário à proposta de financiamento público das campanhas eleitorais. No dia 10 de agosto, o relatório de Fontana será entregue para a Comissão da Reforma Política e duas semanas depois será levado para a análise da Comissão de Constituição e Justiça. “Na proposta que vamos apresentar, o ponto de maior discussão será o critério para o financiamento público de campanha”, prevê o relator.
“As campanhas estão cada vez mais caras e obedecendo a estratégia de marketing eleitoral. Quem tem mais dinheiro banca a melhor campanha e vence a eleição. Queremos valorizar a trajetória e os projetos dos candidatos oferecendo uma redistribuição de recursos públicos para campanhas, de forma a equilibrar melhor as condições dos candidatos na disputa”, defenda o deputado gaúcho.
De acordo a análise encomendada pela Comissão da Reforma, com base nas eleições de 2010, os candidatos que ganham as eleições gastam dez vezes mais do que os candidatos derrotados. Com referência neste estudo, Henrique Fontana elaborou uma proposta em que 100% dos recursos que forem gastos nas campanhas eleitorais serão públicos.
“Ajustamos para um cálculo que distribui recursos conforme os Estados. Assim, 70% do número dos eleitores e 30% do número de cadeiras que os Estados têm para eleger os deputados federais serão os critérios da proporcionalidade da quantia que será repassada aos Estados. O valor global para a distribuição será definido pelo Tribunal Superior Eleitoral”, diz Fontana. A proposta também especifica que quem receberá os recursos são os diretórios estaduais e não os nacionais.
Segundo o relator, a proposta altera a cláusula do fundo partidário. “As siglas deverão aumentar de 5% para 20% o total igualitário distribuído entre os candidatos, conforme o número de votos de cada partido para deputado federal na última eleição”, esclarece. Com isso, a lógica da distribuição dos recursos do financiamento público exclusivo de campanha seguirá três premissas: divisão federativa, partidária e por nível de eleição (estadual, presidencial, senador).
Arma contra a corrupção
O deputado federal Henrique Fontana acredita que o financiamento público de campanha é uma importante arma contra a corrupção. “A cada três escândalos de corrupção, pelo menos dois têm uma relação com campanhas eleitorais”, afirma o deputado, recordando o recente caso do Ministério dos Transportes, o Mensalão de 2005 e o esquema do Banrisul revelado em 2010.
“Nem o candidato mais rico poderá utilizar do seu patrimônio para concorrer a campanha eleitoral. As empresas flagradas nessa atividade sofrerão multas de até 40 vezes o valor doado, ficarão impedidas de negociar ou ter financiamentos com setor público por cinco anos. Os candidatos terão que pagar de 20 a 40 vezes o valor recebido e terão mandatos cassados”, explica.
O relator estima que a aprovação do novo sistema político pode ocorrer ainda neste ano. Para Fontana, se o debate não for aproveitado agora, as próximas eleições estarão comprometidas. “Faz 15 anos que se debate a necessidade de mudar a política brasileira. Sei que temos que trabalhar no limite do poder de negociação, alterando os pontos até onde pudermos aprová-los. Temos que aprovar agora para evitar que a potência financeira seja novamente o critério das eleições em 2014”, conclui.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

amy winehouse - Descanse em paz

Amy Winehouse, dona de uma voz potente, e de una influência que revitalizou o pop, como o uso do seu jazz e o do soul, depois de uma vida bastante agitada e conturbada, parte para o plano superior, após a causa da sua morte ser desconhecida, mas auferida por muitos pelo uso de entorpecentes e alcóol.
Obviamente Amy não é um exemplo para ninguém sobre conduta de vida, mas a sua qualidade musical é incontestável, dessas artistas que se lixam para a grande mídia com seus tabloides sensacionalistas, e não fazem tipo para aparecer. Suas músicas abordaram diversos temas, como a depressão, o amor não correspondido, mas foram canções que  mostraram um pouco de si, que fizeram Amy estourar e ganhar prêmios e reconhecimento mundial.
Winehouse morre aos 27 anos, entrando para um clube de grandes artistas que assim como ela, se despediram prematuramente dos palcos, deixando apenas o legado de sua obra. E Amy criou tendências com suas roupas coladas, seus vestidos justos, suas sombras nos olhos e seus cabelos, configurando uma nova estética e criando tendências por toda parte onde circulava.
Não é pouco, que Amy se tornou essa celebridade, por que ela tinha estilo, tinha personalidade, e principalmente talento, o mundo perde uma grande voz que não fazia média, e que infelizmente teve escolhas erradas em sua vida.
 
 

sexta-feira, 22 de julho de 2011

FSM 2011 Dacar Senegal Lula

Diário da Nova China (1): O século XXI será chinês

O século XX foi inquestionavelmente norteamericano. Na virada do século XIX para o XX a hegemonia inglesa já dava sinais claros de esgotamentos. Economicamente, o dinamismo das emergentes economias alemã e norteamericana ameaçava claramente a dianteira inglesa. Militarmente, a Inglaterra teve dificuldades para resolver guerras localizadas na China e na África do Sul.

Enquanto isso a Alemanha, com a pujança do esquema imposto por Bismarck, recuperava o atraso econômico do país, tornando-se rapidamente a economia mais pujante da Europa. E os EUA despontava como o outro concorrente para disputar a sucessão da decadência inglesa.

Simbolicamente, a Inglaterra perdeu pela primeira vez, uma Copa Davis para os EUA, em 1900. Mas o que teve mais efeitos foi a projeção da indústria automobilística. Começado o novo século, chegavam a Londres os primeiros carros Ford norteamericanos. Era apenas o prenúncio da projeção mundial dos EUA como nova potência econômica, no bojo da generalização do consumo de automóveis – tornado o novo sonho de consumo de todos e passaporte de ingresso à classe média.

O automóvel foi a maior mercadoria do século XX, seu consumo se generalizou e seu estilo de vida se internacionalizou, a ponto que se cunhou a expressão “civilização do automóvel” para a era do novo século. E com, ele se afirmou também um estilo de vida, o “modo de vida norteamericano”, enquanto o consumo dos carros puxava o resto das estruturas industriais e impunha um estilo de vida individualizado – ida sozinha para o trabalho, fim de semana de cada família, sentimento de poderia associado à velocidade, etc.

Quando produziu seu primeiro modelo popular, Henri Ford projetava o sonho de consumo também para os trabalhadores – a começar pelos das suas fábricas – que poderiam ter acesso à compra de autos, no projeto de um “capitalismo popular”. O resto da hegemonia norteamericana foi consolidado por Hollywood, que produziu as grandes imagens do século, recontou a história da humanidade na ótica norteamericana e conquistou mentes e corações pelo mundo afora.

Mas isso não teria dado a vitória aos EUA na sucessão da Inglaterra, não tivesse sido derrotada a Alemanha nas duas guerras mundiais – na verdade, uma só, com um intervalo. O campo ficava livre para a projeção dos EUA como líder mundial. A crise de 1929 colocou interrogações, mas a segunda guerra permitiu o aceleramento da recuperação econômica norteamericana, puxada pelo complexo industrial-militar. Enquanto a Europa era destruída, pela segunda vez, em poucas décadas, os EUA aceleravam seu crescimento econômico e chegavam ao fim da segunda guerra como o líder indiscutível do Ocidente, ameaçado apenas pelo surgimento do campo socialista, com a superação do isolamento da URSS pelo surgimento dos países do leste europeu, incoporados à influencia soviética, pelos acordos do fim da guerra.

Mas a outra novidade foi a Revolução Chinesa, inesperada, como toda revolução, heterodoxa, desconcertante. O país de maior população no mundo, abandonava o campo ocidental – onde era uma imensa colônia japonesa e norteamericana – e se somava ao campo socialista. Uma imensa rebelião camponesa colocava novos desafios para a esquerda, mas sobretudo para o campo capitalista.

Os EUA se apressaram a forçar reformas agrárias no Japão, na Coréia do Sul – bombas atômicas e guerra da Coréia que possibilitassem – para tentar desativar as contradições no campo e evitar a proliferação de novas Chinas. As estratégias guerrilheiras ganhavam força na Ásia, África e America Latina.

A liderança espetacular de Mao-Tse-Tung surgiu depois do fracasso da tentativa de reproduzir na China a estratégia bolchevique das insurreições operárias nas cidades, com duas grandes derrotas no final dos ano 20. A “longa marcha” foi o prolongado processo de mobilização e sublevação camponesa, que permitiu, primeiro a expulsão dos japoneses, depois a derrota dos EUA, que levou à vitória revolucionária de 1949.

Porém a China reproduziu, à sua maneira, as mesmas dificuldades da URSS para romper com o capitalismo e construir o socialismo a partir das condições de atraso da periferia colonizada do sistema imperialista. O período de direção de Mao – hoje completamente renegado e esquecido – foi o das grandes viradas para tentar dar “um salto adiante”, do período das “mil flores” até a revolução cultural, com sucessivos fracassos e frustrações.


Ao final da revolução cultural, conforme o discurso atual, o país estava destruído. A revolução cultural não correspondia aos contos que pensadores maoístas pintavam: uma imensa rebelião das bases da sociedade contra a tecnocracia e a burocracia, mas um processo de sistemática destruição das estruturas mesmas do novo Estado chinês, incluídas as universidades, os centros de pesquisa e o próprio Partido Comunista. 200 milhões de pessoas vagam pelo país, desempregadas, enquanto vários milhões cumpriam penas de “recuperação”, enviadas ao campo para conviver com o campesinato.

A Nova China, esta que assombra o mundo, nasce ou renasceu em 1977, com a negação mais radical de tudo o que a revolução cultural pregava. A afirmação de Den-Ziao-Ping – considerado como o refundador da China – de que “Não importa a cor do gato, contanto que ele cace o rato”, apontava para a utilização da tecnologia e todos os meios que permitissem a China retomar o caminho do progresso e da modernização. Quando a revolução cultural se havia notabilizado por concepções exatamente opostas: o que não tivesse expressamente o selo de classe, era burguês. Nesse redemoinho foram tornada maldita não apenas a tecnologia, mas a cultura – renegando-se de Balzac a Shakespeare, de Bethoven a Bach.

O Mao que os chineses reivindicavam é o líder revolucionário que derrotou e expulsou os japoneses e os norteamericanos – que permitiu a independência da China -, não o desastrado dirigente de 1949 até sua morte, em 1975. Sua imagem continua a ocupar o lugar central na majestosa Praça da Paz Celestial, junto à bandeira vermelha com a foice e o martelo, a sede do Partido Comunista e a manutenção do objetivo da construção do socialismo, com a desaparição do Estado e das classes sociais.

Mas a China atual, essa que se projeta de forma aparentemente irresistível no século XXI, foi construída a partir das diretrizes de Deng, que à referências à técnica, incentivou – de forma similar a Lenin, na tentativa de incentivar os camponeses a produzir – os chineses a se enriquecer, dizendo que isso seria “glorioso” ou, pelo menos não teriam que se envergonhar de enriquecer. Foi um retumbante apelo à desmistificação do progresso e à entrega do mais de milhão de chineses ao trabalho.

Os resultados não poderiam ser mais espetaculares. O país tirou da miséria mais de 300 milhões de pessoas, em 3 décadas, o que ninguém nunca havia feito na historia da humanidade. E o fez sem dirigir um sistema colonial ou imperialista, sem intervenções bélicas externas, sem escravidão, nem pirataria (típicos das potências coloniais e imperialistas do Ocidente).

A China recuperou espetacularmente a capacidade de crescer, em meio a um mundo ocidental decadente economicamente, recessivo. (De cada 4 guindastes que se montam no mundo, 3 estão na China.) A China considera que o “breve” período de dois séculos, em que ela foi suplantada por potências ocidentais, um parêntesis em ter suas glórias passadas e as presentes e futuras.

De fato, até o século XVIII, a China não apenas era mais desenvolvida que as potências europeias. Ela não se interessava por comprar nada do ocidente, enquanto os países europeus desejavam loucamente comprar as sedas, as especiarias, os chás, e outros tantos bens produzidos pela China. Para buscar reequilibrar o comercio, a Inglaterra invadiu a China e induziu o consumo do ópio – a chamada guerra do ópio. Não pôde se manter, se retirou para Hong-Kong (devolvido recentemente à China) e passou a exportar para esse país o ópio produzido na maior colônia inglesa – a Índia. Um negócio redondo para a Inglaterra, que passava a ter o que exportar para a China, incentivava a produção do ópio na Índia e encontrava uma mercadoria com a qual equilibrar as exportações chinesas.

Se o século XXI vai ser o século chinês, é uma questão aberta. Do ponto de vista econômico, há fortes indício de que sim. Uma combinação entre economia de mercado com um Estado fortemente regulador, parece combinar fatores positivos dos dois, respondendo em parte pelo contínuo progresso chinês. Se essa força econômica será suficiente ou não para torna-la a potência hegemônica no mundo ao longo do século XXI, depende não apenas da força econômica, mas do poderio militar, da força política, da capacidade de transformar esses elementos em predominância ideológica.

A humanidade entrou, certamente, em um período de crise hegemônica, em que a velha potência dominante se enfraquece, mas mantem sua predominância, enquanto as forças emergentes – das quais a China é a mais importante, junto com países como o Brasil e a Índia, entre outros, - ocupam cada vez mais espaços, apontando para a possível passagem de um mundo unipolar para um mundo multipolar. A China é e será o fator essencial nessa passagem.

Ecossocialismo: espiritualidade e sustentabilidade Ic

Chico Mendes
In Memoriam: a eles, que deram a vida pela Amazônia e pelos Povos da Floresta: Chico Mendes e Dorothy Stang.
Gostaríamos de começar nossa intervenção com uma homenagem a duas figuras de alta qualidade humana,  que deram suas vidas pela defesa da Amazônia e dos Povos da Floresta: Chico Mendes e Dorothy Stang. Eles são os mais conhecidos, a ponta visível do iceberg, de tantas outras vidas sacrificadas neste combate desigual no curso das últimas décadas. Inspirados cada um, à sua maneira, por sua fé religiosa, assumiram, até às últimas consequências, a causa dos oprimidos e dos explorados, que é, ao mesmo tempo, e inseparavelmente, a causa da natureza, da floresta, da vida.
Chico Mendes  (ML)
Formado na cultura cristã libertadora das comunidades eclesiais de base, o jovem seringueiro Francisco Alves MendesFilho, nascido em 15 de dezembro de 1944, descobre o marxismo nos anos 1960, graças a um veterano comunista, Euclides Fernandes Távora. Em 1975, Chico funda, junto com Wilson Pinheiro, o sindicato dos trabalhadores rurais de Brasiléia e, pouco depois, em 1977, o sindicato dos trabalhadores rurais de Xapuri, sua terra natal. É nesta época que ele vai inaugurar, com seus companheiros do sindicato, uma forma de luta não-violenta inédita no mundo: os famosos empates. São centenas de seringueiros, com suas mulheres e filhos, que se dão as mãos e enfrentam, sem armas, os bulldozers das grandes empresas interessadas no desmatamento, na derrubada das árvores. Algumas vezes os trabalhadores são derrotados, mas frequentemente conseguem parar, com suas mãos nuas, os tratores, os bulldozers e as motosserras dos destruidores da floresta, ganhando, às vezes, a adesão dos peões encarregados do desmatamento. Os inimigos dos seringueiros são os latifundiários, o agronegócio, as empresas madereiras ou pecuárias, que querem derrubar as árvores para exportar a madeira e/ou para plantar mato no lugar da floresta, criando gado para a exportação. Um inimigo poderoso, que conta com seu braço político, a UDR; seu braço armado, os jagunços e pistoleiros mercenários; e inúmeras cumplicidades na Polícia, na Justiça e nos governos (local, estadual e federal). É a partir desta época que Chico Mendes começa a receber as primeiras ameaças de morte; pouco depois, em 1980, seu companheiro de lutas, Wilson Pinheiro, será assassinado.    
É nestes anos que o combate dos seringueiros e outros trabalhadores que vivem da extração (castanha, babaçu, juta) para defender a floresta vai convergir com o das comunidades indígenas e grupos camponeses diversos, dando lugar a formação da Aliança dos Povos da Floresta. Pela primeira vez, seringueiros e indígenas, que tantas vezes se haviam enfrentado no passado, unem suas forças contra o inimigo comum. Chico Mendes definiu com as seguintes palavras as bases desta aliança: “Nunca mais um companheiro nosso vai derramar o sangue do outro ; juntos nós podemos proteger a natureza, que é o lugar onde nossa gente aprendeu a viver, a criar os filhos e a desenvolver suas capacidades, dentro de um pensamento harmonioso com a natureza, com o meio ambiente e com os seres que habitam aqui”.
Chico Mendes era perfeitamente consciente da dimensão ecológica desta luta, que interessava não só aos povos da Amazônia, mas a toda a população mundial, que depende da floresta tropical  (“o pulmâo verde do planeta”).
Pragmático, homem de terreno e de ação, organizador e lutador, preocupado com questões práticas e concretas – alfabetização, formação de cooperativas, busca de alternativas econômicas viáveis – Chico era também um sonhador e um utopista, no sentido nobre e revolucionário da palavra. É impossível ler sem emoção o testamento socialista e internacionalista que ele deixou para as gerações futuras, publicado depois de sua morte numa brochura do sindicato de Xapuri e da CUT:
“Atenção jovem do futuro: 6 de setembro do ano de 2120, aniversário do primeiro centenário da revolução socialista mundial, que unificou todos os povos do planeta num só ideal e num só pensamento de unidade socialista, e que pôs fim a todos os inimigos da nova sociedade. Aqui ficam somente a lembrança de um triste passado de dor, sofrimento e morte. Desculpem. Eu estava sonhando quando escrevi estes acontecimentos que eu mesmo não verei. Mas tenho o prazer de ter sonhado”.
Ele obtém, nesta época, duas vitórias importantes: a implantação das primeiras reservas extrativistas criadas no estado do Acre, e a desapropriação do Seringal Cachoeira, do latifundiário Darly Alves da Silva, em Xapuri. Para a oligarquia rural, que tem, há séculos, o hábito de “eliminar” – em total impunidade – aqueles que ousam organizar os trabalhadores para lutar contra o latifúndio, ele é um “cabra marcado para morrer”. Pouco depois, em dezembro de 1988, Chico Mendes é assassinado, em frente de sua casa, por pistoleiros a serviço dos Alves da Silva.
Por sua articulação entre socialismo e ecologia, reforma agrária e defesa da Amazônia, lutas camponesas e lutas indígenas, a sobrevivência de humildes populações locais e a proteção de um patrimônio da humanidade – a última grande floresta tropical ainda não destruída pelo “progresso” capitalista – o combatede Chico Mendes éum movimento exemplar, que continuará a inspirar novas lutas, não só no Brasil, mas em outros países e continentes.
Dorothy Stang  (FB)
A 12 de fevereiro de2005, airmã Dorothy Stang, 73 anos, missionária da congregação de Notre Dame, foi assassinada com seis tiros à queima-roupa,em Anapu, Pará. Conheci-aem meados dos anos 70, quando preguei retiro espiritual no Maranhão, do qual ela participou.
A inserção de Dorothy no conflito fundiário na Amazônia teve início em 1982, quando o bispo Dom Erwin Krautler (também ameaçado de morte), da prelazia do Xingu, a indicou para trabalhar na pequena localidade de Anapu, cortada pela rodovia Transamazônica, na qual o fracasso dos projetos mirabolantes da ditadura militar deixaram um rastro de miséria e conflitos. “Ela queria dedicar a vida às famílias isoladas que estão na miséria. Daí eu indiquei a Transamazônica leste, o trecho entre Altamira e Marabá. E para lá ela foi”, disse o bispo. Com área de 11.895 km2 e cerca de 8 mil habitantes, Anapu é marcada por conflitos decorrentes de disputas de terras.
Desde os anos 80 intensificaram-se, naquela região, o desmatamento da floresta, sobretudo na área conhecida como Terra do Meio, agravando a disputa entre grileiros, madereiros, posseiros e pequenos agricultores. Inspirada em Chico Mendes, Dorothy empenhou-se na criação de reservas extrativistas. “Os moradores que estavam nesses lugares sempre eram retirados porque chegava alguém e dizia que já era dono daquela terra”, conta Toinha (Antônia Melo), do Grupo de Trabalho Amazônicoem Altamira (PA), amiga da religiosa assassinada. Dorothy lutava por projetos de desenvolvimento sustentável e pelo direito de os pequenos produtores terem acesso à posse da terra.
Em junho de 2004,em Brasília, Dorothydepôs na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre a Violência no Campo, quando denunciou a impunidade como fator de agravamento dos conflitos. Toinha considera Dorothy como “uma mulher comprometida com a justiça, com as causas sociais, com o meio ambiente e o desenvolvimento responsável”.
Dorothy nasceu a 7 de junho de 1931,em Dayton (Ohio), nos EUA. Veio para o Brasil em 1966.Em Coroatá (MA), trabalhou com as Comunidades Eclesiais de Base integradas por pequenos agricultores. Devido ao avanço do latifúndio, muitas famílias abandonaram suas terras e migraram para o Pará. Dorothy as acompanhou.
Seu apoio aos assentamentos baseados na agricultura familiar, voltados às atividades extrativistas de subsistência e reduzido impacto ambiental, provocou a ira de grileiros e latifundiários da região. Quando uma área de Anapu foi destinada ao projeto conhecido como PDS (Pólos de Desenvolvimento Sustentável), os grileiros a invadiram e ameaçaram as famílias, obrigando-as a se retirar. 
O promotor do Ministério Público do Pará, Lauro Freitas Júnior, declarou não ter dúvidas de que o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, e o pecuarista Regivaldo Pereira Galvão, o Taradão, fizeram um consórcio para financiar o assassinato da missionária Dorothy Stang. “É necessário ir além da morte. O que está por trás não é só o mandante, mas toda uma estrutura que não envolve só o estado do Pará, mas todo o Brasil”, disse dom Tomás Balduíno, presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT). As duas principais causas de crimes na zona rural, como o assassinato da irmã Dorothy Stang, são a tradicional impunidade dos latifundiários e a falta de regularização da posse da terra. Uma das grandes dívidas do governo Lula é a tão esperada e prometida reforma agrária!
Em maio de 2008, o fazendeiro Vitalmiro Moura, o Bida, levado a júri pela segunda vez, foi absolvido. A sentença não é definitiva, permite recursos. No primeiro julgamento ele havia sido condenado a 30 anos de prisão. O pistoleiro Rayfran das Neves Sales, réu confesso, foi condenado a 28 anos de reclusão. Confirmou-se, mais uma vez, uma característica perversa do sistema judiciário brasileiro: neste país quem não é pobre goza de plena imunidade e impunidade.
Rayfran das Neves mudou seu depoimento 14 vezes! A demora em processar os responsáveis foi fundamental na construção da impunidade. O resultado do júri demonstra a importância de se federalizar casos emblemáticos de violação dos direitos humanos, como quer a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República. Assim, seria possível evitar que autoridades judiciárias e o júri fiquem vulneráveis às pressões locais. O STJ (Superior Tribunal de Justiça) negou o pedido de federalização do caso Dorothy Stang.
O pecuarista Regivaldo Pereira Galvão, o Taradão, após um ano e três meses de prisão, beneficiado com habeas corpus concedido pela STF (Supremo Tribunal Federal) tratou de fugir. Felizmente foi preso no dia 29 de dezembro de 2008, quando tentava se apropriar ilegalmente de terras em Anapu.
Segundo a Comissão Pastoral da Terra, 819 pessoas, entre 1971 e 2007, morreram vítimas de conflito agrário no Pará. Desses crimes, apenas 92 resultaram em processos. Desses processos, 22 foram ao Tribunal do Júri: só seis mandantes foram condenados. Nenhum está preso.

A luta para resgatar a Primavera Árabe

Seis meses após a primavera árabe derrubar o seu primeiro ditador, as principais praças do Cairo e de Túnis foram novamente palco de protestos, gás lacrimogêneo e fúria contra a resistência à mudança demonstrada pelas autoridades interinas nestes países. Na Síria, ativistas disseram que pelo menos 19 pessoas foram mortas na última repressão contra os protestos que têm convulsionado o país há mais de quatro meses. Pelo menos sete pessoas morreram no Iêmen em meio a um limbo político que parece não estar perto de uma solução

As revoluções históricas que abalaram o mundo árabe ao longo deste ano estavam correndo o risco de colapsar quando, na noite de sexta-feira, os manifestantes voltaram às ruas para professar a sua repulsa à forma como o movimento está sendo bloqueado por regimes antigos e novos.

Seis meses após a primavera árabe derrubar o seu primeiro ditador, as principais praças do Cairo e de Túnis foram novamente palco de protestos, gás lacrimogêneo e fúria contra a resistência à mudança demonstrada pelas autoridades interinas nestes países. Na Síria, ativistas disseram que pelo menos 19 pessoas foram mortas na última repressão contra os protestos que têm convulsionado o país há mais de quatro meses. Pelo menos sete pessoas morreram no Iêmen em meio a um limbo político que parece não estar perto de uma solução. E na Jordânia um forte esquema de segurança policial acompanhou manifestações pró e anti-reforma que acabaram se tornando violentas.

As cenas serviram como um lembrete de que, após a euforia da primavera árabe, poucos avanços concretos na direção das reformas pretendidas ocorreram. As eleições na Tunísia e no Egito foram adiadas. As propostas de reforma no Iêmen e na Síria têm sido rejeitadas como inadequadas.

Egito
Milhares de manifestantes foram para praças públicas de todo o país, em uma "sexta-feira de advertência final" para a junta militar, em meio a temores de que a revolução que derrubou Hosni Mubarak está sendo traída por forças conservadoras.

Manifestações e greves de fome foram registradas desde Alexandria, na costa do Mediterrâneo, até Luxor no sul e Suez, no leste, com o foco principal, mais uma vez na praça Tahrir, no Cairo, onde um grande acampamento já dura mais de uma semana e não mostra sinais de acabar.

Os manifestantes acusam o Conselho Supremo das Forças Armadas (SCAF), que assumiu o poder após a queda de Mubarak e prometeu abrir caminho para um governo civil democraticamente eleito no final deste ano, de sufocar as demandas revolucionárias, trabalhando para proteger os elementos do velho regime de uma mudança política.

"Como muitos têm dito no Facebook, a relação entre o população e o SCAF é o mesmo que o relacionamento entre uma mulher e um marido que ela sabe que está sendo infiel", disse Alaa El Shady Din, um manifestante na praça Tahrir.

"Ela tolera a infidelidade em um primeiro momento, em um esforço para não destruir a família e machucar as crianças, mas logo percebe que o marido não se importa nem um pouco com a família", acrescentou.

"No começo nós mentimos para nós mesmos, nós queríamos acreditar que eles estavam conosco. Mas agora as ruas estão acordando e dizendo ao conselho “nós somos os governantes e vocês seguem as nossas ordens; não o contrário. Nós somos a maldita linha vermelha e vocês não devem atravessá-la”.

Assim como a maioria dos manifestantes, El Din estava furioso esta semana por um comunicado do porta-voz da SCAF, Mohsen El-Fangari, que alertou contra aqueles que procuram "perturbar a ordem pública" e adotou um tom que lembrou Mubarak em seus discursos finais à nação. A pressão está aumentando sobre o primeiro-ministro interino, Essam Sharaf, que parece incapaz ou não quer forçar mudanças políticas significativas em face da intransigência dos generais. Muitos de seus apoiadores originais começam agora a pedir sua saída.

Tunísia
Alguém que estivesse visitando a capital da Tunísia pela primeira vez não diria que uma revolta popular ocorrera ali nos últimos seis meses. Policiais armados com cassetetes, gás lacrimogêneo e cães reprimiam uma pequena multidão de manifestantes que se reuniu para expressar um sentimento amplamente difundido na cidade: que a revolução foi construída em cima da areia e acabou bloqueada por um governo que tem feito pouco para implementar as exigências dos revolucionários.

A sede do governo central (Qasbah) foi cercada por rolos de arame farpado e veículos blindados, enquanto os manifestantes com bandeiras tunisinas gritavam "paz, paz". Então o problema começou. A primeira granada de gás vomitou uma espessa fumaça branca e foi rapidamente seguida por muitas outras. Os manifestantes correram para se esconder nas sombras da noite em meio a uma espessa nuvem de fumaça branca.

Dois homens se lançaram ao chão, de joelhos e com o peito nu, enfrentando a polícia. Um terceiro aparou uma boma de gás que passou girando e jogou-a de volta contra os policiais. Assim que a fumaça se dispersou, os manifestantes retornaram com o reforço de algumas centenas de pessoas. Alguns começaram a atirar pequenas pedras contra a polícia.

"As pessoas que me torturaram ainda estão lá", disse Malek Khudaira apontando para o ministério onde foi mantido por 10 dias durante o levante que derrubou o ex-ditador Zine al-Abidine Ben Ali.

"Como eu posso sentir que há mudanças ou que houve uma revolução total, se tudo está a mesma coisa; eu vejo os torturadores andando nas ruas todos os dias."

Por horas, seguiu-se um jogo de ataque e contra-ataque entre manifestantes e policiais. Os manifestantes marchavam e a polícia lançava bombas de gás no meio deles. Um homem de calça preta, camisa branca e óculos de sol estava de frente para a polícia quando um projétil atingiu sua barriga. Ele caiu onde estava e foi socorrido por outros manifestantes.

Os organizadores da manifestação chamaram-na de “Qasbah 3". A número 1 foi o levante que derrubou Ben Ali e forçou-o a fugir. A número 2 foi a mobilização que derrubou o primeiro governo provisório, um mês depois.

Síria
Ativistas relataram pelo menos 19 mortes em toda a Síria e dezenas de feridos quando as pessoas se reuniam para suas orações semanais, que têm sido usadas como um ponto de mobilização para a dissidência há mais de quatro meses.

Pesados conflitos foram relatados em pontos da capital, segundo relatos e contas amplamente divergentes de ativistas e da mídia estatal. Pelo menos sete manifestantes foram mortos a tiros em bairros de Damasco, em mobilizações que reuniram algumas das maiores multidões já registradas desde que os protestos iniciaram.

As forças de segurança têm usado cassetetes e gás lacrimogêneo em Damasco para reprimtir os protestos no coração do poder do regime. Dezenas de pessoas ficaram feridas nas cidades de Aleppo, Deraa, Idleb e Homs.

As autoridades sírias novamente culparam grupos armados pela violência - uma referência indireta aos ativistas islâmicos acusados de tentar inflamar o “caos sectário”. No entanto, ativistas disseram que manifestantes desarmados foram novamente atacados por soldados que dispararam rajadas contra a multidão.

Os atos de violência tem sido imprevisíveis, mudando de local o tempo todo. Em Homs, um morador do bairro abastado de Inshaat disse que as forças de segurança pareciam estar tentando evitar mortes. "Eles foram atirando, mas pareciam estar visando as pernas e não as cabeças".

Dois dos maiores protestos ocorreram em Hama e Deir Ezzor, num dia em que ativistas estimaram que até 1 milhão de pessoas podem ter desafiado abertamente o regime em todo o país.

Jordânia
Dez pessoas, a maioria delas jornalistas, ficaram feridas em Fridaywhen quando a polícia jordaniana intervir em confrontos entre manifestantes pró-reforma e partidários do governo em Amã.

Centenas de manifestantes pedindo mudanças políticas e um fim à corrupção se reuniram no centro da capital. Não ficou claro se eles iriam ignorar os avisos oficiais contra a realização de concentrações do tipos das realizadas no Egito e no Bahrein.

A Jordânia vive tumultos esporádicos desde janeiro, mas apenas em pequena escala. As demandas da oposição - apoiada por grupos de jovens, organizações da sociedade civil e os islâmicos - são para mudanças no quadro da monarquia Hachemita. O rei Abdullah assumiu o compromisso de implementar reformas que permitiriam a formação de futuros governos com base em uma maioria parlamentar eleita, mas não fixou data para cumprir a promessa.

O slogan "o povo quer a reforma do regime" esteve em flagrante contraste com as demandas e revoltas em outros países que pediram a "derrubada" dos governantes.

O protesto em Amã foi realizado com uma forte presença de forças de segurança, com a polícia e forças especiais cercando a área, disse o site Amom News.

Atos em defesa da reforma e contra a "corrupção desenfreada" também atraíram centenas de manifestantes nas cidades do sul de Tafileh, Maan e Karak, e em Irbid e Jerash, no norte.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

Produtores argentinos vão bloquear ponte para impedir entrada de carne de porco do Brasil

Buenos Aires - Suinocultores da Argentina prometeram bloquear, a partir da próxima quarta-feira (27), por tempo indeterminado, a ponte Rosário-Victoria, entre as províncias de Santa Fé e Entre Rios. Por essa ponte, que fica a 350 quilômetros ao norte de Buenos Aires, passa boa parte dos caminhões que transportam produtos chilenos e brasileiros. “Mas só vamos parar os caminhões com carne de porco”, assegurou à Agência Brasil Cristian Roca, chefe da área sindical da Federação Agrária Argentina. “Não queremos prejudicar o comércio do Mercosul, só queremos medidas do governo para proteger nossos produtores”.
“A Argentina sempre importou carne de porco do Brasil, mas nunca tanto como agora”, reclamou a sindicalista. “Nos primeiros seis meses de 2011, importamos a mesma quantidade de todo o ano passado.” Os pequenos produtores argentinos querem que a Argentina limite a importação de carne de porco processada do Brasil.
Segundo Roca, as crescente importações do Brasil fizeram com que o preço da carne de porco do produtor argentino caísse de 7 pesos (R$ 2,66) para 5 pesos (R$ 1,87) por quilograma (kg). Omar Príncipe, outro dirigente sindical da FAA, disse que os produtores locais querem limitar as importações a 2,5 mil toneladas mensais, mas que, no momento, a Argentina está comprando quase o dobro.
Boa parte da carne de porco produzida pela Argentina ou importada do Brasil e do Chile é destinada à fabricação de frios e embutidos, consumidos no mercado interno e exportados. Segundo Roca, os frigoríficos argentinos estão importando mais do Brasil porque o vizinho produz em grande escala e os preços são mais competitivos. “Mas o consumidor final, aqui, não está pagando menos”, disse Roca. “Os frigoríficos estão ganhando com a diferença e o governo não está protegendo o produtor local”, acrescentou. A Argentina importa do Brasil quase 70% da carne de porco que consome. Em 2010, importou o equivalente a US$ 100 milhões, 60% a mais que no ano anterior.
Edição: Vinicius Doria