Felipe Prestes
Independentemente da decisão que ocorra nesta Assembleia Geral da ONU sobre o Estado palestino, o reconhecimento do país é cada vez mais próximo: “Mais cedo ou mais tarde a Palestina será aprovada como Estado”, afirma o diretor do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (Isape), Lucas Kerr. Especialista em conflitos armados em regiões petrolíferas, Kerr aponta que a Palestina já é reconhecida como nação por 80% dos membros da ONU, mas também atenta para uma postura cada vez mais incompreensível do governo neoconservador israelense, que tende a seu isolamento não só no plano externo, como entre a própria população. Para o analisa, a posição de Mahmoud Abbas de pedir o reconhecimento do Estado palestino coloca israelenses e norte-americanos em posição muito complicada no âmbito das Nações Unidas.
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Posição da Palestina pressiona Israel e EUA
Lucas Kerr afirma que a jogada de Mahmoud Abbas de pedir o reconhecimento palestino coloca israelenses e norte-americanos em posição muito complicada. Os Estados Unidos podem vetar o reconhecimento como membro pleno da ONU aos palestinos no Conselho de Segurança, mas não podem impedir a aceitação como “Estado não-membro” pela Assembleia Geral – onde Kerr projeta que a Palestina deve ter cerca de 90% de aceitação.
O reconhecimento apenas da Assembleia Geral, com as fronteiras anteriores à Guerra dos Seis Dias, em 1967, já coloca em uma situação muito complicada os assentamentos israelenses que desrespeitam estas fronteiras. “Mesmo se a Palestina não for membro pleno, criará impasse jurídico bastante grande para Israel. Legalmente, a situação na Palestina passará a ser de um país livre ocupado por outro país. Poderia justificar até mesmo uma missão de paz da ONU, embora seja muito difícil de isto ocorrer na prática”, explica o diretor do Isape. O reconhecimento no Conselho de Segurança daria mais prerrogativas à Palestina, como o direito a voto e até mesmo o de pedir sanções contra Israel.
Já os EUA sofrem pressões dos dois lados. Se resolver se abster no Conselho de Segurança, jogando a questão para a Assembleia Geral, Barack Obama vai bater de frente com o fortíssimo lobby pró-Israel entre os neoconservadores norte-americanos. “Poderia ter problemas com grande parte dos republicanos, que defendem postura agressiva de Israel”, diz. Por outro lado, o veto à criação da Palestina deve trazer problemas externos. “Os EUA vão se complicar com o veto. Árabes irão para as ruas em todos os países, e os governos pró-EUA no mundo árabe não conseguirão justificar este apoio para a população”, projeta o analista.
Resistências internas
Kerr aponta que são crescentes entre os próprios estadunidenses as resistências ao apoio incondicional do país a Israel. As queixas partem desde a base de sustentação mais à esquerda de Obama até generais norte-americanos no Iraque, que culpam esta postura por seus insucessos e pela morte de seus homens. Esta resistência também é crescente nos meios acadêmicos.
Ainda assim, tudo indica que Barack Obama deve mesmo vetar o reconhecimento palestino como membro pleno da ONU, como vem sendo anunciado por altos dirigentes norte-americanos. Em seu discurso nesta quarta, o presidente dos EUA reiterou que a paz entre israelenses e palestinos precisa ser negociada antes do reconhecimento da Palestina, posição reiterada em conversa com Abbas. Obama quer evitar o desgaste do veto, e ainda deve tentar demover Abbas de fazer o pedido de reconhecimento, que está anunciado para esta sexta.
O presidente norte-americano também deseja não ser o único a vetar, caso necessário. E pode conseguir. O presidente francês Nicolas Sarkozy demonstrou que pode fazê-lo, embora sua posição seja mais ponderada. Tanto Sarkozy quanto o premiê britânico David Cameron demonstram o temor da reação a um veto à Palestina, mas também temem dar ao território árabe o status de membro pleno agora. Sarkozy sugeriu nesta quarta um acordo para que a Palestina passe já nesta Assembleia do status de “entidade observadora” para “Estado observador”. Segundo o presidente francês, a mudança de status seria vantajosa para as negociações, ao contrário do que pensam os EUA.
Em Israel, crescimento dos trabalhistas
Dentro de Israel, Kerr ressalta o crescimento dos trabalhistas, que já foram governo durante as décadas de 70, 80 e 90 e que travaram acordos de paz com os palestinos até o assassinato do líder trabalhista Yitzhak Rabin, em 1995, levar Israel a uma postura mais radical. “As pessoas não se dão conta de que a postura agressiva com os palestinos nem sempre foi hegemônica em Israel. O que a mídia aqui pouco tem falado é que esta primavera israelense, estes milhares que estão nas ruas, são ligados aos trabalhistas, há um renascimento dos trabalhistas. Eles são a favor da paz, alguns mais radicais defendem até mesmo o retorno às fronteiras pré-1967”, diz o analista.
Quanto à política externa israelense, o diretor do Isape considera incompreensível. “É um mistério. Israel anda fazendo coisas muito estranhas, como brigar com a Turquia. É difícil entender o que se passa na cabeça dos tomadores de decisões israelenses”, afirma. Kerr aponta que nos últimos anos os turcos têm deixado de lado a inflexão ao Ocidente, visando a União Europeia, para se tornarem uma potência no Oriente Médio. “A Turquia abandonou a ideia de ser mais um país na Europa, para se tornar um líder no Oriente Médio. Para isto, vem se aproximando de países como Irã e Palestina”, explica.
Outro fator a isolar Israel na região foram as revoltas nos países árabes. Para Kerr, ficou claro que a população destes países quer uma postura mais firme de seus governantes em apoio à Palestina. “É uma causa muito bem vista pela opinião pública árabe. Mubarak caiu, entre outros motivos, porque era identificado como pró-Israel. Sentindo isto, todos os governantes árabes começaram a criticar mais fortemente Israel após as revoltas”, diz.
Os desafios da Palestina livre
Para Lucas Kerr os desafios da Palestina como Estado reconhecido serão praticamente os mesmo que vive atualmente. A questão burocrática, o funcionamento como país, já é muito melhor na Palestina que em muitos países reconhecidos pela ONU, segundo o diretor do Isape. “As eleições, inclusive, são mais democráticas que na maioria dos países”, afirma.
No sentido político há, contudo, um grande desafio, se houver o reconhecimento será a obrigação de unir-se em um governo só. Hoje, o Fatah, de Abbas, que controla a Autoridade Nacional Palestina, governa a Cisjordânia; enquanto o Hamas, mais radical, controla a Faixa de Gaza. A aproximação entre os dois grupos políticos já vem ocorrendo há alguns anos e Kerr projeta que Abbas não teria grandes problemas para governar a Palestina, caso consiga o reconhecimento. “Se ele conseguir o reconhecimento vai ter muita legitimidade mesmo em Gaza”, projeta Kerr.
Os outros desafios estão na infraestrutura. “O grande desafio da Palestina para os próximos anos é que não tem nenhuma infraestrutura. Tudo o que foi construído em termos de luz, estradas foi destruído nos últimos anos”, conta Kerr. Outro problema nevrálgico é o acesso à água. “O acesso à água é absolutamente crítico. Israel chegou a oferecer uma porção de terras desérticas para os palestinos. Quem é que quer terras desérticas?”, questiona Kerr.
Ele relata que mais da metade da água de Israel vem de áreas ocupadas. Boa parte delas nas Colinas de Golã, que pertenciam à Síria. Outra grande parte no Rio Jordão, na Cisjordânia, e em águas subterrâneas em território palestino.
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